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quinta-feira, 9 de maio de 2013

A hora mais obscura.

Veículo: Folha de S. Paulo - 07/05/2013
Título: Documento sugere que CIA editou cenas de "A Hora Mais Escura" a seu favor
São Paulo

Um documento da CIA revelado nesta semana sugere que membros da agência americana ajudaram a moldar o roteiro de "A Hora Mais Escura", filme mais recente de Kathryn Bigelow sobre a captura do terrorista Osama bin Laden, no Paquistão.

Em janeiro, o Comitê de Inteligência do Senado dos Estados Unidos iniciou uma investigação para apurar se Bigelow e o roteirista Mark Boal permitiram que o material fosse visto previamente pelo alto escalão da CIA, que estava preocupada com a representação da agência na caçada ao terrorista da Al-Qaeda.

COMENTÁRIO DO OCI - Marcelo Ficher

O uso do cinema para ações de propaganda, relações públicas e formação da opinião pública não é novo. Mas ainda choca quando os bastidores vêm à tona e desmistificam sua aura de fantasia.

Originalmente, a notícia foi veiculada pelo jornal The Guardian e denuncia a interferência da CIA na edição do filme “A hora mais escura”, sobre a caçada que resultou na morte do terrorista Osama Bin Laden. As cenas teriam sido modificadas para “promover um retrato adequado” da agência norte-americana. Segundo a matéria, a negociação foi conduzida pelo serviço de relações públicas da CIA e estaria registrado em um memorando interno.

Em sala de aula, procuro sempre chamar a atenção dos alunos sobre a relevância da identificação dos relações-públicas com seus clientes, ainda mais em lugares muito ideologizados ou polarizados. Genericamente falando, trata-se de representar o cliente em seu melhor interesse, como se diz em Direito, e não é nada fácil lidar com as próprias convicções no exercício das funções. Às vezes se trata de enaltecer o contrário do que se pensa. E fazer isso prolongadamente, porque, preferencialmente, o trabalho de relações públicas é contínuo, duradouro, estável. Isso exige afinidade e gera conflitos tipicamente caseiros. O melhor é se sentir de lá ou o desconforto é certo.

Por outro lado, pode ser extremamente gratificante trabalhar para uma organização que se admira. Visto que provocar essa identificação nos públicos é uma obrigação profissional, isso praticamente significa promover algo que você escolheu. Muitas pessoas aprenderam a gostar das empresas em que trabalham, e as empresas trabalham muito para que as pessoas gostem delas. Havendo essa identificação, parece que o trabalho flui melhor.

Para a promoção de causas, o trabalho de relações públicas, além do mais, é imprescindível, porque é um profissional que empresta sua subjetividade por dever de ofício. Se, além disso, ele está afinado com a causa, essa sensação de pertencimento tende a gerar mais satisfação e resultados para ambas as partes. Mais ainda por que nesses casos se lida com sentimentos, expectativas, direitos, justiça, uma infinidade de aspirações para que seja algo diferente no futuro do que é agora.

Esses cenários são menos aplicáveis aos profissionais de agências de comunicação, ou de propaganda, ou mesmo freelancers, que acabam atendendo vários clientes ao mesmo tempo e estão menos tempo com cada um. E também no setor produtivo, onde as relações tendem a ser mais impessoais e volúveis, mesmo que certas marcas despertem paixões e haja empresas que são objeto de desejo para se trabalhar.

Em todos os casos, profissionalismo acima de tudo, o que significa estar lá, mesmo, enquanto estiver. Quando as premissas mais fundamentais da sua profissão forem violadas, a melhor saída é a porta.

Isso pode?

Voltando para o cinema, o que está em jogo nesses fatos são questões como legitimidade, pertinência – pode um serviço de relações públicas abordar a produção de um filme para sugerir/negociar modificações? Há uma forma correta de se fazer isso? –, autoridade, poder e coerção – e sendo a CIA, isso muda tudo –, questões sobre democracia e sobre censura. E se a causa for inquestionável, algo como combate ao trabalho escravo, pode? Quem decide o que pode?

Até que ponto?

É compreensível que o roteirista do filme se sentisse pressionado, por mais gentil que fosse a abordagem. E a CIA provavelmente contava com isso. Possivelmente, tenha havido pressão explícita. Importante mencionar que nos dois casos até se pode dizer que a ação partiu do serviço de relações públicas, mas em hipótese alguma investidas contra a produção do filme poderiam ser chamadas de relações públicas. Nenhum código de ética, nem brasileiro nem internacional, dá abrigo a assédio dessa natureza. Ações assim são desvios, não fazem parte do repertório. Ao que tudo indica, a agência usou seu serviço de relações públicas como biombo para encobrir uma agressão aos direitos civis.

O roteirista do filme nega a interferência, mas fatos notórios e relevantes, que constam de relatórios oficiais, ficaram de fora, diz a matéria, e a participação da personagem central da trama foi suavizada. O Senado norte-americano investiga o caso e os jornais repercutem mundo afora. As notícias insinuam que a investigação começou após o fracasso do filme no Oscar. Maldito feitiço. Deve estar dura a vida dos relações-públicas de lá. Receio que a CIA deva se preocupar mais com sua credibilidade na vida real do que com a imagem no cinema. Mas entendo o dilema deles: é difícil saber onde seu filme está mais queimado.

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